quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Marquês de Sade, divino ou maldito?


"– A maior de todas as loucuras – dizia ela – é enrubescer por causa de nossas inclinações naturais; e zombar de qualquer indivíduo que possua gostos singulares é absolutamente tão desumano quanto escarnecer de um homem ou de uma mulher saída zarolha ou coxa do seio de sua mãe; mas convencer os tolos sobre esses princípios racionais é tentar impedir o movimento dos astros. Para o orgulho, há uma espécie de prazer em zombar dos defeitos que se não tem, e essa satisfação é tão doce ao homem e particularmente aos néscios, que é muito raro vê-los renunciar a tal comportamento, este, por sinal, fomenta a malvadez, as frívolas palavras de espírito, os calembures vulgares, e, para a sociedade, isto é, para um grupo de seres que o tédio reúne e a estupidez modifica, é tão doce falar duas ou três horas sem nada a dizer! Tão delicioso brilhar às custas dos outros, e proclamar, estigmatizando um vício, que se está bem longe de o possuir... é uma espécie de elogio que se faz tacitamente a si mesmo; por esse preço é lícito inclusive associar-se aos outros, tracejar maquinações secretas a fim de pisar no indivíduo cujo grande erro é não pensar como a maioria dos mortais; e a pessoa volta para casa toda entufada devido à espirituosidade que não lhe faltou, embora com tal conduta só se tenha demonstrado, essencialmente, pedantismo e estupidez".



(Trecho de Augustine de Villeblanche ou O Estratagema do Amor, de Marquês de Sade. Tradução de Plínio A. Coelho e Alípio C. F. Neto)